Durante a Idade Média, a Escolástica (que surgiu da necessidade de basear todo o Saber nos ensinamentos da Igreja) impediu que o conhecimento científico se desenvolvesse. Porém, estando o Ocidente atrasado em relação à China na utilização da bússola na navegação, foi na Europa que se realizou o primeiro estudo experimental do magnetismo de natureza científica. E o seu autor foi Maricourt.
Pierre Perelin de Maricourt (1220 - 1270), em latim Petrus Peregrinus de Maricourt, foi um engenheiro francês, encarregue da fortificação dos campos militares e da construção de maquinaria de arremesso. Foi graças a estes seus deveres que Pierre aprendeu as técnicas de manipulação de metais e de construção. Estando sob a comando de Charles, no Sul de Itália, às portas de Lucera, foi aqui que Pierre redigiu, em 1269, uma carta a Sigerus de Foucaucourt, um amigo e conterrâneo (perto de Péronne), pela qual o seu trabalho ficará conhecido e registado.
No cumprimento das tarefas designadas pela Armada Francesa, Maricourt idealizou uma máquina de movimento perpétuo, a qual se deveria à presença de um íman junto a uma roda dentada, sendo que os dentes desta seriam alternadamente atraídos e repelidos pelo íman. É a partir desta ideia que, nos seus escassos tempos livres, Pierre tecerá uma linha de pensamento experimental, de modo a esclarecer os poucos e vagos conhecimentos neste campo. Sendo Foucaucourt, a quem redige a sua carta, um homem sem educação académica, Pierre teve de introduzir e explicar os princípios fundamentais do magnetismo, antes mesmo de entrar na abordagem do seu trabalho. Intitulada de “Espitola Petri Peregrini de Maricourt ad Sygerum de Foucaucourt, militem, de magnete” (frequentemente apenas mencionada como “Epistola de magnete”), a carta de Maricourt é composta por duas distintas partes. A primeira parte, composta por dez capítulos, apresenta as Leis do Magnetismo, as quais, não tendo sido descobertas por Maricourt, são por este relatadas (e explicadas) segundo uma ordem lógica. É nesta secção da carta que são discutidas as propriedades físicas dos ímans. Aí se encontra a primeira abordagem escrita à polaridade dos magnetes, introduzindo pela primeira vez a palavra “pólo” neste contexto. Pierre abordou ainda algumas técnicas para determinar os pólos norte e sul dos magnetes, o efeito de repulsão entre pólos semelhantes e de atracção entre pólos opostos, a atracção e magnetização do ferro por ímans, a capacidade de inverter a polaridade em magnetes induzidos, a conservação da polaridade de um íman original num íman partido e a inexistência de um monopólo magnético (cada porção de um íman é um íman). Pierre tentará ainda explicar o magnetismo terrestre (verificando que o pólo magnético terrestre não coincide com o geográfico), atribuindo-o à acção de pólos do cosmos; tendo trabalhado um íman de modo a que este ficasse esférico, desenhou as linhas que correspondiam à posição da agulha da bússola, tendo obtido assim uma figura semelhante aos meridianos.
A segunda parte deste manuscrito é composta por três capítulos, cada um deles dedicado a um de três dispositivos, aplicações práticas das propriedades dos magnetes. Nesta secção: aborda-se a “bússola de água” como sendo um instrumento de uso comum; é proposta uma nova bússola, a qual consistiria numa agulha (íman natural) compreendida numa caixa de madeira, em tudo semelhante à inventada pelos chineses no ano de 1090; e é ainda feita uma tentativa de idealizar uma máquina de movimento perpétuo, possuindo, como já foi referido, uma roda interna (dentada) que rodaria eternamente.
Foi ainda encontrada em quatro manuscritos uma secção denominada “Nova Compositio Astrolabii Particularis”, na qual Maricourt descreveu a construção e utilização de uma astrolábio que poderia ser usado em várias latitudes sem mudar os pratos, ao contrário do astrolábio mais comum, desenhado por al-Zarqãli, instrumento já do quotidiano na navegação desta época. Porém, a utilização deste instrumento de Maricourt era bastante complexa, exigindo um grau de conhecimento que não era de todo comum nos navegadores medievais, que mais usufruíam deste estilo de tecnologia. Assim, esta invenção perdeu-se, não tendo sobrevivido nenhum exemplar até aos dias de hoje.
Tendo permanecido anónimo por mais de três séculos após a sua morte, Pierre de Maricourt terá o seu trabalho frequentemente citado pelos mestres da Universidade de Oxford durante este período, ao fim do qual este ele foi revisto e verificado por William Gilbert, que baseou o seu trabalho em muitos dos conceitos introduzidos por Maricourt, 300 anos antes.
Nos nossos dias, o trabalho deste militar francês é devidamente reconhecido, de tal modo que existe a Medalha de Petrus Peregrinus, atribuída pela European Geosciences Union (EGU) em reconhecimento das suas contribuições científicas marcantes no campo do Magnetismo.
Figura: Esquema do funcionamento da máquina de movimento perpétuo idealizada por Pierre de Maricourt.
Sandra Fernandes
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