quinta-feira, 16 de junho de 2011

Chile, um acordar tardio para a Física

Tendo sido povoado pelos Incas ao longo de vários séculos, o Chile foi conquistado pelos espanhóis em 1536, tendo estes construído a actual capital, Santiago, em 1545. O Chile foi uma das colónias mais valiosas de Espanha, pelas suas riquezas e posição estratégica. Assim, sob o domínio espanhol, o progresso notou-se somente nas técnicas de extracção de minérios e na agricultura. Em Setembro de 1810, durante as invasões das tropas napoleónicas em Espanha, ocorreu a primeira tentativa de independência do povo chileno. Sendo a data oficial da independência do Chile 1818, em 1813 já  uma junta militar governava o território.

Em 10 de Agosto de 1813 foi inaugurado o Instituto Nacional, que iniciou a sua actividade com 18 disciplinas, sendo uma destas a física experimental leccionada pelo Padre José Bezanilla. Era leccionada no curso de Ciências Naturais, juntamente com química, botânica, geografia, economia, política, matemática e línguas vivas. Com apenas 14 meses de funcionamento, a Reconquista (1814-1819) forçou o Instituto a fechar as portas até 1819, data da vitória de Maipú. A formação do Instituto Nacional teve como consequência directa o desejo do novo governo de educar o povo. Sendo este um marco histórico da ciência chilena, não era de todo o primeiro acto ligado à ciência nacional. Há relatos de actividades esporádicas, ligadas à física, anteriores à República do Chile. Na Academia de San Luis (uma academia militar), por exemplo, um engenheiro espanhol, Agustin Cavallero, tinha, em 1799, abordado vários tópicos (termodinâmica, projécteis, dinâmica, hidraulica, etc.) direccionando-os para problemas de teor militar. Esta física experimental difere em muitos aspectos da que conhecemos hoje. Quando o Instituto Nacional reabriu, a disciplina de Física Experimental continuou a ser leccionada, em latim, pelo Padre Bezanilla, o qual dividia o programa em duas partes: física geral, que abordava cosmografia, geografia física e história natural; e física particular, englobando fenómenos físicos e as suas causas (como eram tidas na época).

Em 1823 foi fundada a Academia Chilena, por um físico espanhol e por um engenheiro francês, Carlos A. Lozier, que leccionavam  na secção de Ciências Matemáticas e Físicas. Lozier foi nomeado reitor do Instituto Nacional em 1826, impondo uma reforma radical que tinha como principal objectivo eliminar os vestígios residuais do ensino colonial, o que implicava mudar a quase totalidade dos professores. Tal levou a que o cargo lhe fosse retirado pouco tempo depois. Com a saída de Lozier, chegou ao Chile o engenheiro espanhol Andrés A. Gorbea, que estudou matemática e engenharia em Espanha, após o que rumou a França para aperfeiçoar os seus conhecimentos em física, tendo tido como colega Louis Gay-Lussac. Gorbea é responsável pelo primeiro livro de física publicado no Chile, tradução de uma obra de Jean-Baptiste Biot. Apesar de todos os esforços de Gorbea, não sendo a disciplina de Física Experimental obrigatória, eram muito poucos os alunos que a frequentavam. Gorbea ficou conhecido como o “pai” da engenharia e do ensino da matemática (no sentido de hoje) e ainda como o primeiro a leccionar física racional, em 1850, no Chile.

A 21 de Janeiro de 1832, o venezuelano Andrés Bello, primeiro reitor da Universidade do Chile, afirmou que as principais áreas de profissão no Chile (agricultura, extracção mineira, comércio e advocacia) necessitavam de conhecimentos de física, sendo necessário leccionar esta disciplina no ensino preparatório. Esta afirmação deu origem a um movimento de reformulação dos programas do ensino preparatório, começando a ser leccionada física experimental em vários colégios por todo o país. Em 1858, eram 14 as escolas que leccionavam física.

Foram vários os nomes que contribuíram para a evolução do ensino da ciência neste país, mas destaca-se o de José Zegers, discípulo de um físico polaco, que em 1857 foi nomeado responsável da disciplina de física experimental no Instituto Nacional. Zegers ficou conhecido por impor nas escolas do Chile o livro de física utilizado nas melhores universidades europeias e americanas  (Traité Elémentaire de Physique Expérimental et Appliquée et Métérologie, de Adolphe Ganot). Além disso, Zegers publicou vários estudos sobre electricidade, novos barómetros, mecânica e ensino de ciências experimentais. Em 1889, foi fundado o Instituto Pedagógico, responsável pela formação de professores na área das ciências experimentais (com base nos estudos publicados por Zegers), uniformizando assim o ensino nesta área por todo o país.

No início do século XX, começou uma nova etapa do ensino e concepção da física, até então ligada a aspectos práticos dos sectores de actividade principais do Chile. Esta mudança iniciou-se em Maio de 1903, com a chegada ao Instituto Pedagógico do alemão Wilhem Ziegler, que pretendeu adaptar o ensino da física ao que era praticado na Alemanha. Foram construídos edifícios para o ensino da física e da química, contratados matemáticos e químicos alemães, com o fim de unir áreas até então como isoladas. De modo a ser perceptível a mudança que Ziegler provocou no ensino chileno, pode-se comparar a física no Chile (embora mais ligada a aspectos práticos) com a que se fazia em muitos sítios da Europa, onde pouco depois Einstein publicou o seu artigo sobre o efeito fotoeléctrico.

A melhoria do ensino no Chile conduziu à evolução da ciência nesse país, tendo sido publicados, em 1908, artigos sobre espectroscopia, electrólise, velocidade de moléculas de gases, electricidade, etc. No final dos anos 20, iniciaram-se vários projectos de investigação nas escolas de ensino superior. Em 1928, a Universidade do Chile recebeu o físico francês Paul Langevin, que proferiu numa palestra sobre a física quântica, sendo esta seguida de várias conferências sobre a estrutura da matéria e a teoria da relatividade. Os académicos chilenos encontravam-se finalmente aptos a acompanhar (e a contribuir para) os progressos alcançados na Europa e na América do Norte. Motivado por este crescimento da ciência, o governo forneceu bolsas de investigação e contratou professores e investigadores europeus (maioritariamente alemães). Um destes professores foi Karl Grandjot, doutorado em Göttingen, que estudou matemática com Lev Landau e David Hilbert, e física experimental e teórica com Peter Debye e Max Born. Em 1930, uma forte crise afectou o Chile. Foi seguida pela Segunda Guerra Mundial, que abrandou o progresso científico chileno. Em 1945, poucos dias após a detonação da primeira bomba atómica, teve lugar na Universidade do Chile um debate sobre a desintegração do núcleo, que foi a primeira discussão académica sobre física nuclear no Chile. Em 1954 foi fundado o Laboratório de Física Nuclear da Universidade do Chile, onde surgiu o primeiro grupo de académicos a proceder a investigações autónomas. Este laboratório foi a sede do Instituto da Física e da Matemática, cujos membros se tinham especializados na Europa e nos EUA e publicavam em revistas internacionais.

A década de 60 foi marcada pelo pico de novos grupos de investigação e sociedades científicas. Em 1960 foi fundada a Sociedad Chilena de Física, em 1964 a Comisión Chilena de Energia Nuclear e em 1967 a Comisión Nacional de Investigación Científica e Tecnológica. Ficou estabelecida a investigação científica em física teórica e experimental. A globalização e os programas de mobilidade actuais dificultam a distinção dos feitos chilenos mais recentes.

Sandra Fernandes,

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