quarta-feira, 15 de junho de 2011

À descoberta do neutrão

O neutrão é uma partícula subatómica de carga eléctrica nula e com massa ligeiramente superior à do protão, encontrando-se em todos os núcleos atómicos à excepção do de hidrogénio. O neutrão só foi descoberto em 1932, quando James Chadwick usou dados de scattering para calcular a respectiva massa.

A palavra neutrão apareceu pela primeira vez em duas teorias rivais sobre os raios X na primeira metade de 1912 da autoria de Stokes e de Bragg. Bragg, na sua teoria corpuscular, postulou que um electrão. ao colidir com um anti-cátodo num tubo de raios X, era carregado positivamente de modo que a sua carga se tornava neutra. Bragg chamou  neutrão a esta partícula electricamente neutra mas com a mesma massa do electrão. A partícula da teoria de Bragg estava, no entanto, bem longe do actual neutrão.

Foi Ernest Rutherford, em 1920, quem primeiro concebeu a possibilidade de existência de uma partícula electricamente neutra e com massa próxima da do protão ao considerar que a disparidade encontrada entre o número atómico e a massa atómica podia ser explicada pela presença no núcleo atómico de uma partícula electricamente neutra. Chamou a esta partícula, tal como Bragg, neutrão, o termo ainda hoje utilizado.

Foram feitas experiências durante os anos seguintes por dois alunos de Rutherford, Glasson e Roberts, que tentaram encontrar o neutrão. Glasson fez experiências com tubos descarregados. Já Roberts supôs que, num tubo descarregado preenchido com hidrogénio, os electrões podiam combinar-se com protões de modo a formar neutrões, esperando detectar a energia libertada por métodos calorimétricos. Nenhum deles teve sucesso.

Foi por esta altura que Chadwick, que mais tarde viria a descobrir o neutrão, contactou Rutherford, apresentando-lhe um esquema que acreditava serviria para descobrir a partícula que até essa altura os iludira.

No entanto, até 1930, pensava-se que as partículas fundamentais do núcleo eram o protão e o electrão. Isso obrigava à existência de um dado número de electrões no núcleo atómico para anular a carga produzida pelos protões em excesso que originavam a massa do átomo, embora já se soubesse pelo Princípio da Incerteza e pelo confinamento do tipo “partícula numa caixa” que não havia energia suficiente para conter os electrões no núcleo. Foi neste ano que Bothe e Becker observaram que o bombardeamento do berílio com partículas alfa provenientes de uma fonte radioactiva produzia uma radiação neutra penetrante e não-ionizante. Pensou-se que o resultado eram raios gama até os Joliot-Curie  mostrarem, em 1932, que a parafina ao ser bombardeada com esta radiação ejectava protões com energia de cerca de 5,3 MeV. Facilmente se provou,  fazendo uma análise à energia e ao momento linear, que este resultado era inconsistente com raios gama.

Os 5,3 MeV de energia dos protões ejectados poderiam ser facilmente explicados se a partícula neutra tivesse uma massa comparável à do protão. Para colisões frontais, isso exigiria da partícula neutra apenas 5,3 MeV, um valor no intervalo observado para emissões de partículas nucleares.

Foi James Chadwick, após mais de dez anos de busca, quem foi capaz de provar que a partícula neutra não podia ser um fotão ao bombardear outros núcleos, como o azoto, o oxigénio, o hélio e o árgon. Não só os resultados destes eram inconsistentes a nível energético com a emissão de fotões  como a secção eficaz para estas interacções era ordens de grandeza maior do que a do scattering de Compton de fotões.

Faltava determinar a massa da partícula neutra. Para isso, Chadwick bombardeou boro com partículas alfa e analisou a interacção das partículas neutras com o azoto. Esta escolha particular de alvos foi feita por a massa destes elementos ser bem conhecida na altura. Aplicando a conservação da energia a ambas as interacções e resolvendo em ordem à massa-energia do neutrão obteve uma fórmula que envolvia a massa e a velocidade do neutrão. Sendo desconhecida a velocidade do neutrão podia, no entanto, supor-se que a sua massa é próxima da do protão. Chadwick lançou os seus neutrões contra átomos de hidrogénio e calculou a velocidade dos protões depois das colisões. Substituiu então a velocidade do neutrão pela velocidade que tinha calculado para os protões e estimou a massa do neutrão em 938 +- 1,8 MeV, um valor de acordo com o actualmente aceite de 939,57 MeV.

A descoberta do neutrão permitiu resolver um problema relativo ao spin do núcleo azoto-14 para o qual tinha sido obtido experimentalmente o valor de 1. Era sabido que os núcleos atómicos tinham normalmente cerca de metade de cargas positivas do que caso fossem compostos apenas por protões. O facto era, nos modelos existentes, explicado pela presença de electrões no núcleo para neutralizar o excesso de carga. Com base nestes modelos o azoto-14 seria composto por 14 protões e 7 electrões conferindo-lhe uma carga de +7, mas uma massa de 14 unidades de massa atómica. No entanto, era também sabido que tanto os protões como os electrões possuíam um spin intrínseco de 1/2  e, sendo o número de partículas no azoto-14 ímpar, não existia nenhuma combinação possível de spins +/- 1/2 que desse 1. Após a descoberta de Chadwick, foi proposto um modelo de três pares de protões e neutrões com um protão e um neutrão adicionais, cada um contribuindo com spin 1/2 chegando ao resultado de 1 para este átomo. Este mesmo modelo foi  usado para explicar o spin de outros nuclidos.

Marco Gui Alves Pinto

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