Em 1882, Heike Kamerlingh Onnes (1853-1926) foi nomeado professor em Física Experimental na Universidade de Leiden, na Holanda. Pretendia validar experimentalmente a teoria dos gases de van der Waals, explorando o comportamento de gases reais a temperaturas extremamente baixas.
Uma amostra de um gás, para atingir as temperaturas pretendidas por Onnes, tinha de ser mergulhada num gás liquefeito, que, ao entrar em ebulição, baixava a temperatura da amostra. O primeiro gás a ser liquefeito em Leiden foi o hidrogénio (em 1906), por um processo de compressão e arrefecimento do gás, com posterior expansão, levando a condensação. Porém, numa época em que o estudo dos metais a baixas temperaturas progredia muito, e dado que dispunha de hidrogénio líquido, o laboratório criogénico da Universidade de Leiden tomou este assunto como prioritário, levando Onnes a estudar a relação da resistividade eléctrica de fios de ouro e platina com a temperatura.
Eram então aceites duas hipóteses quanto à resistividade de um metal puro à temperatura de 0 K, já se sabendo que o movimento dos electrões era responsável pela condutividade eléctrica e que a resistividade era consequência da dispersão de electrões por iões do metal (puro). Uma das hipóteses propunha que a temperaturas suficientemente baixas havia diminuição da energia cinética dos electrões (levando a que a condutividade do metal tendesse para zero), ao psso que outra sugeria que, à medida que a temperatura baixasse, o ângulo de dispersão dos electrões ia diminuir, levando a que a resistividade tendesse para zero. Porém, Onnes terá seguido o modelo apresentado por Lord Kelvin, em 1902, segundo o qual: “a resistência eléctrica de um metal puro diminui rapidamente com o decréscimo da sua temperatura atingindo um mínimo e tendendo para infinito no zero absoluto”.
Em Julho de 1908, a equipa de Leiden obteve uma relação quase linear, sendo a temperatura mais baixa de 14 K. Pretendendo estender o estudo a temperaturas ainda mais baixas, Onnes retomou o seu projecto inicial, levando a cabo a primeira liquefacção do hélio. O seu laboratório tinha conseguido o acesso a quantidades elevadas de hélio de uma das maiores reservas mundiais deste gás, na Carolina do Norte (Estados Unidos da América). Com acesso exclusivo à tecnologia e à matéria-prima, não tinha que recear concorrência directa por parte de nenhum outro grupo.
Foi então que a equipa de Onnes deparou com um novo problema – a transferência do hélio líquido do liquidificador para um outro criostato, uma vez que o primeiro não possuía o espaço necessário para as experiências. Em Maio de 1910, o hélio líquido foi transferido para um criostato com paredes duplas e um contentor mais pequeno ligado a um complexo sistema de bombas de vácuo, as quais conseguiram diminuir, sequencialmente, a pressão no interior do contentor até 1,316 x 10^-4 atm. Neste novo criostato, conseguiu-se atingir os 1,1 K. Porém, posteriores experiências com platina (de modo a prosseguir o anterior estudo a partir dos 14 K) revelaram-se um fracasso. Foi projectado um novo criostato, que levou cerca de nove meses a ficar operacional. Uma vez que, por toda a Europa, começavam a ser efectuadas medições de calor específico, Onnes decidiu não esperar pela construção do novo criostato, expandido o liquidificador original para que pudesse acomodar um fio de platina. Assim, em Dezembro de 1910, reiniciou a experiência, observando que a resistividade eléctrica da platina ficava constante abaixo dos 4,25 K. Onnes concluiu de imediato que este valor residual de resistividade se devia a impurezas presentes no fio de platina, e que, num metal puro, a resistividade devia ser nula à temperatura de 0 K.
Foi com base nestas observações e conclusão que a equipa de Leiden decidiu usar mercúrio, devido à sua fácil purificação (por dupla destilação). A 8 de Abril de 1911, o novo criostato estava pronto para a sua primeira utilização. Apesar de esta experiência ter como principal finalidade o teste da transferência do hélio líquido para o criostato externo, a confiança dos técnicos era tal que o equipamento trazia já instalado o termómetro de hélio (gasoso) e as amostras de ouro e mercúrio (solidificado), para as medições de resistividade a várias temperaturas. Estando o novo equipamento operacional, em menos de 24 horas, a equipa de Onnes conseguiu finalizar as medições, observando pela primeira vez a transição superfluida do hélio líquido a 2,2 K (a qual resultou numa taxa de variação da temperatura bastante alta). Um mês depois, Onnes decidiu repetir a experiência, mas ao contrário, aumentando a temperatura do sistema, observando o “aparecimento” da resistividade do metal e prosseguindo até temperaturas mais altas, de modo a conseguir traçar a curva resistividade – temperatura.
Foi já nos finais de 1912 que os cientistas do laboratório de Leiden descobriram que estanho e chumbo eram igualmente supercondutores, com temperaturas de transição de 4 e 6 K, respectivamente. Com esta descoberta deixavam de ser necessários os procedimentos para um tão grande arrefecimento e purificação associados à utilização do mercúrio, ficando mais fácil a realização de experiências sobre supercondutividade.
Sandra Fernandes
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