A tentativa de medir o valor da velocidade da luz vem de tempos remotos. O primeiro a sugerir que a luz leva um determinado tempo a deslocar-se entre um ponto e outro foi Empédocles e o primeiro a propôr uma forma de o medir foi Galileu. Este sugeriu que dois homens com lanternas se afastassem o mais possível mantendo as lanternas cobertas. O que se faria era descobrir uma lanterna e quando o segundo homem visse a luz do primeiro descobriria também a sua, ficando o primeiro encarregue de medir o tempo desde que descobria a sua lanterna até ver a luz do segundo colega. Este método naturalmente que não resultou, porque o tempo de reacção de dois humanos é superior ao tempo que a luz demora a percorrer alguns quilómetros.
Ainda Galileu, respondendo ao desafio do rei de Espanha nesse sentido, propôs uma forma de medir a longitude através da observação dos eclipses das luas de Júpiter, o que se mostrou impraticável devido à falta de precisão dos relógios da sua época e à dificuldade de observação de eclipses em barcos. Mas, no século XVII, utilizando esta ideia, Giovanni Cassini produziu tabelas que previam a hora dos eclipses numa determinada longitude, o que lhe valeu a nomeação para director do Observatório Real de Paris. Começou um projecto em que enviou Jean Picard ao antigo observatório de Tycho Brahe, Uraniborg, para registar os eclipses das luas de Júpiter, enquanto Cassini faria o mesmo em Paris, para calcularem a longitude. Nessas observações, Picard foi ajudado por um jovem dinamarquês que tinha terminado os seus estudos na Universidade de Copenhaga havia pouco tempo, chamado Ole Rømer, que decidiu enviar para o Observatório em Paris em 1672.
Rømer trabalhou lá como subordinado de Cassini, ajudando em particular nas medições da lua de Júpiter que lhe está mais próxima, Io. Io completa a sua órbita à volta de Júpiter a cada 42,5 h e possui um plano muito aproximado ao plano de órbita de Júpiter à volta do Sol, o que significa que passa grande parte da sua órbita na sombra de Júpiter. Na Terra observavam-se as imersões, em que Io desaparecia na sombra joviana, e as emergências, em que reaparecia da sombra. As observações não são tão fáceis, porque não é possível observar a imersão e emergência para o mesmo eclipse, sendo que num dos fenómenos a lua está oculta por Júpiter. Além disso, quando há oposição, situação em que a Terra se encontra entre o Sol e Júpiter, ambos os fenómenos se encontram ocultos e durante quase meio ano terrestre à volta do ponto de conjunção não se observam também os eclipses de Io porque no céu Júpiter e o Sol estão demasiado próximos. Mesmo nos períodos ideias de observação, depois e antes da oposição, nem todos os eclipses são visíveis num certo local, porque podem ocorrer durante o dia ou com Júpiter abaixo do horizonte.
Cassini descobriu discrepâncias nas suas medidas dos eclipses entre 1666 e 1668, que atribuiu à velocidade finita da luz. Rømer observou que os intervalos de tempo entre os eclipses de Io diminuiam à medida que a Terra se aproximava de Júpiter e aumentava assim que a Terra se afastava. Cassini abandonou a sua ideia, enquanto Rømer a conjugou com as observações que tinha efectuado com Picard e ficou convencido que era uma das correcções que se teria de levar em conta nos cálculos dos eclipses. Previu com precisão uma emergência de Io em que Cassini falhara por 7 dias, o que lhe permitiu apresentar a sua teoria à Academia Real das Ciências em 22 de Novembro de 1676. Rømer não chegou a publicar este seu trabalho porque não recebeu a aprovação por parte nem de Cassini nem Picard, ficando só registado o evento numa notícia de jornal. Apoiado nas suas observações, Rømer começou por demonstrar que a ordem de magnitude da velocidade da luz era tão grande que esta demorava menos de um segundo a viajar uma distância equivalente ao diâmetro terrestre, o que implicava que só como efeito comulativo é que seria perceptível. Rømer usou os dados da oposição de 2 de Março de 1672, em que ocorreram emergências a 7 e 14 de Março, entre as quais Io completou 4 voltas em torno de Júpiter, obtendo-se 42:28:31,25 s para o seu período orbital. Ainda nessa série, Io emergiu dia 29 de Abril, quando completou 30 órbitas desde 7 de Março, resultando num período orbital de 42:29:3 s. Esta diferença de 32 segundos, fez com que a emergência se atrasasse um quarto de hora em relação ao previsto. Com cerca de 30 observações de eclipses de Io, usando transformações de coordenadas, trigonometria e a terceira lei de Kepler, Rømer calculou como melhor valor o de 11 minutos para o tempo que a luz demorava na viagem entre o Sol e a Terra.
Na França a sua explicação não foi muito bem recebida devido ao facto de que essa correção só se aplicava bem a Io, ao que Rømer argumentou que como os outros satélites se encontram mais distantes não é possível observar os seus eclipses tão bem, e porque apesar de dar uma melhor previsão que anteriormente continuavam a restar imprecisões nas previsões dos eclipses de Io, as quais só depois de Lagrange e Laplace se conseguiram explicar como ressonâncias orbitais entre Io e as outras luas. O facto de se considerarem as órbitas elípticas de Kepler, que eram ainda controversas, para o modelo também contriuiu para a má receptividade. Por outro lado, Huygens apoiou esta descoberta e com os seus dados foi o primeiro a apontar um valor, ainda que o tenha feito apenas como exemplo da ordem de grandeza, para a velocidade da luz em unidades terrenas, 110 milhões de toises, o equivalente a 307200000 m/s. Em Inglaterra, Flamsteed incluiu prontamente a hipótese de Rømer nas suas efemérides; Halley, ainda jovem, foi um entusiástico apoiante desta ideia; Newton também a aceitou, vindo a apresentar o valor corrigido de 7 ou 8 minutos para o tempo que a luz demora a percorrer meio diâmetro da órbita terrestre. Cassini foi forçado a incluir nas suas tabelas, juntamente com a correcção para a exeêntricidade das órbitas da Terra e de Júpiter, esta correcção de Rømer, ainda sem aceitar o seu fundamento.
As observações de Rømer foram efectuadas 166 anos antes de ser descoberto o efeito de Doppler, o que significa que o que este cientista esteve a medir foi a razão entre a velocidade da luz e a componente da velocidade orbital da Terra paralela ao vector que une a Terra a Júpiter. Só em 1729 a hipótese de Rømer se tornou totalmente aceite, quando James Bradley mediu a aberração da luz e pôde determinar a sua velocidade. Curiosamente, este fenómeno de aberração tinha já sido observado por Cassini e Picard, que não interpretaram a sua origem.
Natacha Violante Gomes Leite
Referências:
http://en.wikipedia.org/wiki/Ole_Rømer
http://en.wikipedia.org/wiki/Rømer’s_determination_of_the_speed_of_light
http://educar.sc.usp.br/licenciatura/2000/velocidade/VELOC.html
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