quinta-feira, 16 de junho de 2011

César Lattes e o mesão pi

“O homem como cientista é amoral. Só é moral como homem, não se preocupa se o que descobre vai ser usado para o bem ou para o mal. Como toda descoberta científica dá mais poderes sobre a Natureza, ela pode aumentar o bem ou o mal."
César Lattes

Um dos brasileiros mais famosos na história da ciência é César Lattes (1924-2005), um físico que modificou o estudo da Física no seu país. De origem judaica, graduou-se em Matemática e Física na Universidade de São Paulo. O seu doutoramento foi obtido na mesma instituição. Com uma sólida formação teórica e reconhecido desempenho na pesquisa científica, teve oportunidade de trabalhar com os físicos Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini, com quem publicou artigos sobre a abundância de núcleos no Universo. O trabalho mais notável de Lattes foi a participação na descoberta do mesão pi, logo aos 23 anos de idade. A descrição de tal acontecimento está publicada [1], contando em pormenor o modo como ocorreu. Lattes trabalhava na Universidade de São Paulo, numa época posterior à Segunda Guerra Mundial. Através de uma câmara de nevoeiro (dispositivo que possibilita visualizar a trajectória de partículas pela condensação do vapor de líquidos supersaturados) com mesões lentos, construída juntamente com Ugo Camirini e Gleb Wataghin, Lattes conseguiu registar fotografias das suas trajectórias e analisá-las.

Mais tarde, foi trabalhar na Universidade de Bristol, no Reino Unido. Aí empenhou-se em obter o factor de encolhimento para uma emulsão nova, com concentração elevada. Fazendo pesquisas num acelerador, conseguiu testar este factor de encolhimento usando partículas de desintegração artificial. A análise dos traços permitiu estabelecer uma relação alcance-energia para os protões de, no máximo, 10 MeV. Este dado foi útil para experiências em que só era observada uma partícula. Teve também a ideia de colocar uma chapa fotográfica com boro na direcção do feixe de neutrões e estudar a energia e o momento linear destes. Começou, assim, a sua principal linha de pesquisa: os raios cósmicos. Lattes montou um laboratório a 5000 metros de altitude nos Andes bolivianos, onde usou chapas fotográficas com e sem boro para analisar os raios cósmicos.

A análise das chapas foi efectuada por Occhialini. As que tinham boro apresentavam mais eventos do que as outras. Ou seja, a tentativa de detectar a energia dos neutrões era secundária. Decidiu-se, portanto, que o laboratório se devia concentrar em raios cósmicos de baixa energia. Foi então que, com a ajuda de C. F. Powell, Lattes descobriu uma nova partícula atómica, baptizada de mesão-pi ou pião. Trata-se de um hadrão composto por um quark e por um antiquark. Tal descoberta teve um grande impacto na concepção do átomo. Isto porque a teoria aceite na época afirmava que os átomos eram formados por três tipos de partículas elementares: protões, neutrões e electrões. Lattes submeteu um artigo à revista Nature e, a partir daí, a física de partículas ficou estabelecida como um importante ramo de pesquisa. A descoberta gerou, porém, desconfiança  não sendo admitida logo. Entretanto, Niels Bohr concordou com Lattes e deu-lhe total apoio, facto que facilitou a aprovação.

Em 1947, Lattes obteve uma bolsa de estudos com o objectivo de detectar piões produzidos de forma artificial num ciclotrão em Berkeley, Califórnia. Mesmo que o feixe de partículas alfa tivesse menor energia, não era supostamente o ideal para produzir piões. Lattes observou que eles eram, de facto, produzidos. Em dois artigos posteriores, descreveu o método de detecção de mesões pi positivos e negativos e conseguiu, ainda, identificar a massa da nova partícula, que era cerca de 300 vezes maior que a do electrão.

Na análise de chapas fotográficas feitas com raios gama num sincrotão, Lattes notou que havia piões positivos e negativos. Por outras palavras: era possível produzir piões artificialmente. Sobre isso, Lattes afirmou “[...] não há dúvidas de que estes foram os primeiros piões produzidos artificialmente a serem detectados.”[1]

A descoberta do pião foi de tal modo importante que valeu o Prémio Nobel de 1950 ao responsável do laboratório, Cecil Powell. Essa distinção causou alguma polémica, pois os críticos defenderam que o grande merecedor era Lattes. Contudo, a política da Academia Nobel na época só permitia premiar o líder do grupo de pesquisa, razão por que o  brasileiro não foi contemplado. Niels Bohr, ao morrer, deixou uma carta intitulada “Por que César Lattes nunca ganhou o Prémio Nobel – abrir 50 anos após a minha morte”. Ou seja, se a não distinção de Lattes causa justa indignação, o verdadeiro motivo apenas será revelado em 2012,  quando tiver passado meio século sobre a morte de Bohr. Até lá, só nos resta esperar.

Bianca de Quadros Cerbaro

Referências:

[1] BELLANDI FILHO, José & PEMMARAJU, Ammiraju (eds.). Topics in cosmic rays. 2 vols. Campinas: Editora da UNICAMP, 1984, vol. 1, pp. 1-5. Disponível em  htttp://www.ifi.unicamp.br/~ghtc/clattesp.htm#Artigo_méson Acesso em: 04 de jun. 2011.
[2] http://tiocesar.br.tripod.com/index-660c.html Acesso em: 04 de jun. 2011.
[3]  http://pt/wikipedia.org/wiki/C%C3%A9sar_Lattes Acesso em 04 de jun. 2011.

Sem comentários:

Enviar um comentário